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Santidade

Atualizado: 24 de mar. de 2021

Lara Azevedo Silva

Larissa Mariana Oliveira Santos

Mateus Batista Barros de Melo

Campinas, 2020

“Sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5, 48)

--Atualmente, falar de uma vida santa é quase que sinônimo de falar de uma vida sem “grandes pecados”. Porém, a santidade é muito mais do que isso. Para um católico, não pecar é o mínimo a se almejar. Quando pensamos em atos de amor para com nossos amigos e familiares, não pensamos que seria algo grandioso o fato de não espancá-los ou não colocá-los em situações de humilhação. Seria difícil aceitar tais atitudes até para com aqueles a quem somos indiferentes, quem dirá para com aqueles que mais amamos. Com isso, é óbvio que os homens e mulheres que se comprometem a viver o cristianismo devem ir muito além de não desagradar a Deus, não pecar.

--Quando distorcemos o verdadeiro significado da santidade, contentamo-nos com miseráveis atos de bondade. Se compararmos nossa vida com a de um porco no chiqueiro, estaremos limpos e puros. Mas se a compararmos com a dos Santos, perceberemos o quão sujos estamos! Muitas vezes fazemos muitas coisas boas, mas pelos motivos errados. Ter uma vida santa resume-se em configurar o próprio coração ao coração de Cristo [1]. Quanto mais conformados com Cristo, mais perto do estado de perfeição estaremos, estado esse ao qual todos fomos chamados pelo próprio Cristo: “Sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito” (Mt 5,48).

--Segundo o Catecismo da Igreja Católica (CIC, 2013), os cristãos, em qualquer estado ou ordem, são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. Ou seja, padeiros, cozinheiros, professores, eletricistas, todos os homens e mulheres, têm vocação para uma vida santa! Todos, com o auxílio da graça de Deus, podem chegar ao final da vida e dizer: “Eu vivo, mas já não sou eu. É cristo que vive em mim” (Gl 2, 20).

--Se não pecar não basta, o que devemos fazer para buscar a santidade? É óbvio, mas não é simples: amar a Deus sobre todas as coisas! Sobre tudo e todos, inclusive sobre nós mesmos. Amar a Deus com caridade sobrenatural. Para isso é necessário amá-Lo por causa d’Ele mesmo.

--Muitas vezes lemos notícias de grandes feitos da humanidade, conhecemos pessoas que são realmente muito boas, mas isso não basta. Sem a caridade, todas as boas coisas tornam-se vazias. Obras grandiosas, como lançar o próprio corpo às chamas ou doar todos os bens aos pobres, só ganham verdadeiro sentido se ordenadas ao amor de Deus [1].

“Se eu falasse as línguas dos homens e as dos anjos, mas não tivesse amor, eu seria como um bronze que soa ou um címbalo que retine. Se eu tivesse o dom da profecia, se conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, se tivesse toda a fé, a ponto de remover montanhas, mas não tivesse amor, eu nada seria. Se eu gastasse todos os meus bens no sustento dos pobres e até me entregasse como escravo, para me gloriar, mas não tivesse amor, de nada me aproveitaria.” (1Cor 13, 1-3)

--Como ilustrou São Paulo na Primeira Carta aos Coríntios, nossas ações devem começar e terminar no Amor e com o objetivo de amarmos mais a Deus. Mas o que é amar? A maioria - infelizmente não todos - dos seres humanos consegue facilmente pensar em uma pessoa que os ama. Faça essa experiência, pense em uma pessoa que te ama. Uma pessoa que você tenha certeza que te ama. Todos os que amam têm algo em comum: sofrem pela pessoa amada. O verdadeiro amor exige renúncias, exige o sofrimento. Não o sofrimento superficial, mas sim o sofrimento de quem se decide verdadeiramente pelo outro.

--Cristo sofreu muito por nós. Ele decidiu se entregar por amor a nós. Portanto, lembremo-nos que amar a Deus, aqui na Terra, significa também sofrer. Abrir mão de nossas vontades nos custa, mas vale à pena. Depois que experimentamos a graça de conhecer a Deus, nosso coração se torna um campo de batalha, pois amamos a Deus e ao mesmo tempo nos mantemos apegados à Criação. O amor que temos por Deus cresce junto com os espinhos que carregamos e, por isso, é necessário podar esses espinhos diariamente [2].

--Para tal, é necessário nos alimentarmos e nos fortalecermos na oração, nas boas companhias e, sobretudo, nos sacramentos. Devemos pedir, em nossas orações, a graça de uma vida santa! Jesus tem sede de que nós tenhamos sede Dele: "Se alguém tem sede, venha a mim, e beba" (Jo 7, 37). Somente um coração que busca ardentemente os sacramentos terá forças para enfrentar os desafios da busca pela santidade.

--Ao buscar ardentemente os sacramentos, o fiel se prostra diante do Senhor, se humilha perante o seu Salvador. Não é possível apresentar-se diante de Deus com soberba, pois Ele "resiste aos soberbos, mas dá a sua graça aos humildes" (1Pd 5, 5). Ainda, mais forte se torna este coração quando abraça (e até mesmo busca) o martírio diário, a cruz que a ele é confiada.

--Portanto, para sermos santos não necessariamente devemos parar e rezar quinze horas por dia! A santidade depende sim de uma vida de oração, mas ao mesmo tempo ela está entrelaçada com o nosso estado de vida e deve ordenar as nossas ações cotidianas: buscar a retidão nos estudos e no trabalho, cuidar do próximo (dos pais, do cônjuge, dos colegas e dos doentes), acordar na hora em que o despertador tocar (nada de “soneca”!), não atrasar com os prazos, não reclamar, ser obediente, fugir de situações impuras (filmes, músicas, fofocas, roupas, redes sociais e etc.) e outros. Como disse Santa Teresa d’Ávila: o essencial não é pensar muito, mas amar muito.

--Frequentemente há uma comparação do desenvolvimento da vida interior com as três idades corporais: infância, adolescência e idade adulta, sendo que assim como o homem não pode ficar preso a uma dessas idades (caso contrário entende-se que há algum tipo de retardamento, alguma patologia) também não pode estacionar em sua vida interior, “quem não progride, regride”! Em paralelo às idades corporais, São João da Cruz descreve três fases da vida interior, que são marcadas por três conversões: fase dos principiantes, dos avançados e dos perfeitos [3].

--Considerando essa necessidade de constante avanço na vida espiritual, a Santa Igreja Católica pede que todos nós busquemos constantemente a conversão. Os que já estão há um bom tempo caminhando, são convidados também a buscar este propósito, pois a maioria de nós se contenta com a primeira conversão, que ainda é imperfeita. Nesta primeira fase, a dos principiantes, nos afastamos do mundo para começar a caminhar na via de Deus, realizando atos de fé, de esperança, de amor a Deus e de contrição. É a passagem do estado de pecado ao estado de graça, quer pelo batismo, quer pela contrição e pela absolvição. O principiante generoso já ama a Deus 'de todo o coração', mas ainda não de toda sua alma ou com todas as suas forças [3].

--Assim como há crises que o ser humano vive ao passar de uma idade corporal para outra (por exemplo a puberdade), há também crises para se progredir na vida interior. Para se passar da fase dos principiantes à via iluminativa dos avançados é necessário, como descrito por São João da Cruz, passar pela purificação passiva dos sentidos (segunda conversão). No livro O Diálogo, Santa Catarina de Siena nos mostra que se até os Apóstolos tiveram a necessidade de uma segunda conversão, com muito maior razão nós também precisamos dela, pois acumulamos imperfeições - como o amor próprio - que são fonte de um grande número de pecados veniais que se tornam como marcas do caráter das pessoas, mesmo aquelas que, como os Apóstolos na Ceia, frequentemente participam do banquete eucarístico [3].

--A fase dos avançados, ou seja, a entrada na via iluminativa, acontece quando nós compreendemos os mistérios da vida de Cristo, não somente fugindo do pecado mortal e do pecado venial, mas imitando as virtudes do próprio Deus, como a sua humildade, sua doçura e sua paciência, observando muito além dos preceitos essenciais. Nessa fase há uma intensa reflexão sobre a pobreza, castidade e obediência, evitando assim as imperfeições. Com essa segunda conversão e purificação da alma, os avançados se entregam ainda mais ao Amor de Deus, fazendo tudo pensando Nele e para Ele. Isso é amar a Deus não apenas de todo o coração, mas 'de toda a alma', em todas atividades. Entretanto, não é amá-Lo ainda 'com todas as forças' nem 'com todo o espírito', pois a alma ainda não está firmada naquela região superior que se chama espírito [3].

--Já para que haja a progressão da via iluminativa dos avançados à via unitiva dos perfeitos (analogamente a idade adulta da vida corporal) há outra crise caracterizada como a purificação passiva do espírito (terceira conversão), que leva a uma verdadeira transformação da alma. Com os Apóstolos, a terceira conversão é marcada pela vinda do Espírito Santo em Pentecostes. Tal qual o fogo purifica, ilumina e aquece, o Espírito Santo também purificou as almas dos Apóstolos [3]:

“então apareceram línguas como de fogo que se repartiram e pousaram sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar em outras línguas, conforme o espírito lhes concedia expressar-se”. (At 2, 3-3)

--Assim como os frutos de Pentecostes, os frutos da terceira conversão são, além do esclarecimento e da fortificação, uma verdadeira humildade, uma esperança firme e sempre compassiva, e uma fé viva e penetrante que é como um antegozo da vida eterna com Deus. Contudo, o fruto mais elevado da via unitiva dos perfeitos é um imenso amor a Deus, que não é detido por qualquer contradição. Um amor que brota do ardente desejo de perfeição, representado pela perfeita realização do supremo preceito: “Amarás o Senhor teu Deus de todo teu coração, de toda tua alma, de todas as tuas forças e de todo teu espírito” (Mt 22, 37) [3;4].

--Portanto, o chamado de Jesus desafia o homem a uma jornada muito maior do que o cumprimento dos 10 Mandamentos: Jesus chama-nos à perfeição. Amando a Deus arrastamos outras pessoas para perto Dele [4]. Uma vida santa e generosa transborda! É fácil constatarmos isso quando estamos desanimados e, ao lermos sobre a vida de algum santo, ou ao nos aproximamos daquele amigo que está mais perto de Deus, nos sentimos mais capazes para lutar e recomeçar!

--É incrível pensar que todos os santos e santas de nossa Igreja pisaram neste mesmo planeta e passaram por situações muitíssimo semelhantes às que vivemos todos os dias. Claro, Deus reservou graças e experiências especiais a alguns (santos místicos, por exemplo), mas não devemos esperar por grandes acontecimentos para nos entregarmos a Deus. Devemos amá-Lo hoje! Amá-Lo com o que somos hoje!


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. Equipe Padre Paulo Ricardo. O que devemos fazer para alcançar a santidade. Disponível em: <https://padrepauloricardo.org/episodios/o-que-devemos-fazer-para-alcancar-a-santidade>. Acesso em: fev. 2020.

  2. Padre Paulo Ricardo. Oração: a porta da santidade. 2014. (52m32s). Disponível em: <https://padrepauloricardo.org/episodios/oracao-a-porta-da-santidade>. Acesso em: fev 2020.

  3. GARRIGOU-LAGRANGE, Reginald. As três vias e as três conversões. Rio de Janeiro: Permanência, 2011

  4. Padre Paulo Ricardo. Quem não avança, recua. 2015. Disponível em: <https://padrepauloricardo.org/blog/quem-nao-avanca-recua>. Acesso em: abr 2020.

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